Uma raça quase extinta, essa dos "Pajadores do Rio Grande".
São raros e permanecem de teimosos naquela que é uma das mais difíceis Arte que existe e uma das menos valorizadas.
Tu sabe o que é um Pajador(Payador)?? e como eles "nascem"?
E o que é uma pajada?? Saberia explicar, sem titubear?
Aqui abordo: -De onde se originou a pajada? -Qual diferença entre pajador, declamador e cantor? -Quem pode ser chamado de pajador? -Por que Jayme optou pela apresentação individual? -Por que essa tradicional Arte, está prestes a "morrer" aqui no RS? -O que fazer para fomentar a Pajada no estado? e outros...
Se estes temas forem do teu agrado: vamos junto, unindo forças.
Uma coisa te garanto: não vai mais "gaguejar", quando alguém perguntar sobre este tema, que tanto representa os gaúchos.
"Salvem os Pajadores do Rio Grande do Sul".
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Antes, uma rápida explicação:
Neste ano, completo 20 anos de pesquisa sobre Jayme Caetano Braun. O maior pajador que esta terra produziu.
Comecei por necessidade profissional(fiz quatro esculturas dele) e publiquei a pedidos de parentes. Para corrigir erros existentes e amenizar nosso descaso com sua história.
Nunca almejei pegar "carona" na garupa do poeta. A obra dele é iluminada, fala por si só!
No seu centenário, ano passado, após várias entrevistas e palestras nas escolas(voluntárias, claro), notei que a maioria das pessoas pouco ou nada sabiam sobre a Pajada(inclusive quem é do ramo musical)...
Conclui que a melhor maneira para homenagear Jayme Caetano Braun é exaltando a sua arte: a PAYADA. Por isso fiz este texto, que vais ler com atenção.
Ao lado, trecho entrevista rádio São Luiz, falando da "morte da Pajada", 29/07/2024:
Aqui a entrevista completa: https://www.facebook.com/radiosaoluiz/videos/379131298534444
Em 2021, já havia feito outro texto: "Pajada tem que ter Estilo". Na tentativa de trazer luz a um tema tão falado e pouco compreendido. Não viu?? Muito interessante. Mas, Não veja agora, veja depois...
https://viniciusribeiroescultor.blogspot.com/2021/06/pajada-tem-que-ter-estilo.html
Agora retorno, numa linguagem de perguntas e respostas!
Da mesma maneira que fiz, durante esses anos todos, falando com estudantes de várias idades.
Caneta e papel na mão? Vamos lá, então:
falando com os "veteranos" sobre a Pajada Aos pés do Monumento Jayme em São Luiz Gonzaga-RS |
É PAJADA, PAYADA ou a PAYA? Qual é o nome certo?
As três palavras estão certas. É como chamam a arte do verso crioulo improvisado na "Pampa Gaucha".
No Brasil(RS) é conhecida como "Pajada", na Argentina e Uruguay de "Payada" e no Chile é conhecida como "Paya".
"No Brasil é conhecida como "Pajada", na Argentina e Uruguay de "Payada" e no Chile é conhecida como "Paya".
É considerada um "Patrimônio Cultural do Mercosul".
Há "normas" que definem a arte da Pajada?
Sim. Mas não se assustem, vamos ver quais são e quem criou elas.
Inclusive vamos conhecer algumas polêmicas que existem sobre o tema.
Como surgiu a Pajada?
Vejam, tudo começa mesmo é com o " VERSO IMPROVISADO" (feito na hora/momento).
O verso improvisado, chegou na América Latina com os colonizadores espanhóis, porém existe desde a aurora dos tempos, não há como precisar sua origem...
Surgiu na antiguidade, com aqueles que contavam histórias, mitos, informações ao correr do caminho por onde passavam.
O verso improvisado era a melhor maneira de conseguir a atenção do público e assim passar a mensagem.
"O verso improvisado era a melhor maneira de conseguir a atenção do público e assim passar a mensagem."
Esses artistas passaram a ser chamados, bem mais tarde, de Trovadores.
Tiveram uma importância enorme, encantavam as pessoas, repassavam informações entre as localidades(coisa rara na época) e serviam como um registro das histórias, um arquivo da memória do povo, principalmente nas épocas onde quase ninguém sabia escrever.
Aqui no Brasil, o "Repente" nordestino, A "Trova" gauchesca e a "Pajada" são estilos do verso improvisado muito conhecidos.
Gildo de Freitas-maior referência no verso improvisado
chamado "Trova"
No mundo todo existe vários estilos do improviso, uma das últimas modalidades é o Rap, que surgiu no movimento Hip Hop(início anos 70 em Nova York) como uma voz de protesto.
Artista Rapper(movimento Hip Hop), fazendo versos de improviso no estilo Rap |
Para melhor compreensão, vejam os seguintes exemplos:
No Repente nordestino as vezes usam a viola como instrumento e noutras o pandeiro, na Trova gaúcha usam o acordeão(gaita) e na pajada o instrumento clássico é o violão.
A musicalidade, a "batida" como vocês chamam, muda entre esses estilos, assim como as normas, mas a essência é a mesma: falar do seu povo em versos improvisados.
Mas quais são os registros mais antigos dessa arte? Do verso de improviso?
Só estudei até a Grécia, provavelmente existe registros mais antigos.
Na Grécia antiga existiam dois tipos de oradores que merecem respeito: os RAPSODOS e os AEDOS.
Os Rapsodos(nome meio estranho para nós) eram os DECLAMADORES, aqueles que recitavam as poesias épicas, principalmente a "Odisséia" de Homero(que vocês sabe bem, conta o retorno de Ulisses/Odisseu para casa após a guerra de Tróia). Uma coisa importante saber: O RAPSODO não escrevia as poesias, ele declamava com maestria a dos outros e se apresentava "sem instrumento musical". Na Grécia, tinha até concurso de melhor Rapsodo. Não é nada fácil para um declamador, manter a atenção do público "no seco", sem nenhuma música acompanhando...
Rapsodo, declamando em concurso, sem instrumentos e com cajado à mão. |
Os Aedos eram sim os que faziam os versos de improviso. É a referência mais antiga do verso improvisado que eu descobri.
"É a referência mais antiga do verso improvisado que eu descobri."
Aedo com sua lira, declamando, cantando e fazendo versos de improviso |
Eles iam contando histórias, interagindo com as pessoas pelos locais onde passavam, levando informações em forma de versos. Os Aedos se apresentavam com uma "lira", instrumento musical de cordas tipo uma pequena harpa.
Depois a poesia oral, tem destaque na idade média, através de vários tipos de artistas:
BARDOS, MENESTREIS, JOGRAIS, BOBOS DA CORTE...
Vou falar de dois que acho muito interessantes:
Os Bardos eram os artistas que falavam a língua do povo, iam de cidade em cidade contando lendas, passando informações, alegrando as pessoas com seus versos improvisados. Eles se apresentavam com um instrumento musical chamado "alaúde"(tipo um avô do violão). Falavam dos temas universais do amor, da amizade e usavam da sátira para criticar a sociedade naquilo que achavam errado, acredito que nasceu aí os primeiros artistas a usarem seus versos como protesto, muito antes do Rap...
Bardo, improvisador da idade média, com seu alaúde, se apresentando diante plateia. |
O Bobo da Corte(que de bobo não tinha nada), era o artista que permanecia junto ao Rei, tipo um "funcionário da corte". Geralmente era um grande mestre do improviso, também usava o alaúde como instrumento musical. Sabia caminhar sobre o fio da espada, pois media seus versos com prudência, distraia com alegria o Rei e até o criticava, mas com astúcia e sabedoria. Uma frase errada não era demissão e sim execução. Esse emprego era pra poucos...
Bobo da Corte era um grande improvisador |
Tá, mas e a Pajada? Onde entra nisso tudo?
Calma, que agora começa o "BemBão". Tive que explicar isso antes, para chegar até aqui:
Os versos foram se aprimorando com os anos e chegaram até a famosa modalidade chamada: "Décima Espinela", considerada como a "mãe" dos versos improvisados.
Famosa?? Não conhecemos?
Não conhecem? Claro que sim, só nunca notaram antes.
A Décima Espinela é o modelo clássico usado na Pajada. São feitos em DEZ versos/linhas(por isso se chama Décima), rimadas em determinado estilo.
Mas o pajador só pode se apresentar em décimas?
Não, porém é a mais clássica das estruturas e pra mim é a mais encantadora. Há casos que fazem contraponto(um contra o outro) em estrofes de quatro linhas(Quarteto), para dinamizar a apresentação.
Teve um contraponto histórico no Chile em 1830, foi entre os payadores "Mulato" Taguada e Javier de La Rosa e eles se apresentaram em versos quartetos, durante 80 horas.
80 horas?? Barbaridade...
Sim, virou um acontecimento histórico do desafio mundial em versos improvisados.
E o desfecho é muito interessante... Depois pesquisem pra saber.
Agora para seguir no assunto, devo avisar vocês, que aqui começa a primeira polêmica!
É briga??
Não, não é briga, é discussão normal entre uns "cabeças pensantes".
Polêmica 01:
"Sobre o surgimento da Décima Espinela? Foi com Vicente Espinel??"
Vicente Espinel, grande divulgador da "décima" |
A "Décima Espinela", modalidade de versos utilizada na Pajada, leva este nome em homenagem ao seu divulgador Vicente Espinel, poeta, músico e escritor espanhol. Espinel registrou esse estilo de rimas(onde cada estrofe tem 10 linhas nesta sequencia de rima: ABBAACCDDC e cada linha tem sete sílabas poéticas) no seu livro "Diversas Rimas" em 1591 e chamou de "redondilha".
O nome Décima Espinela não foi dado por ele, mas sim pelo seu genial seguidor: Lope de Vega(poeta e maior dramaturgo espanhol).
Espinel foi exaltado com vários elogios por seus conterrâneos, além de Lope de Vega, Miguel de Cervantes(Don Quixote) e vários outros poetas e escritores...
Porém, um dos seus maiores estudiosos, o escritor e crítico literário, representante da Real Academia Espanhola,o catalão Samuel Gili Gaya, diz que essa estrutura de versos já era utilizada pelo poeta, escritor e estudioso espanhol Juan de Mal Lara(Mallara) e outros; e de que na verdade, Espinel apenas registrou e popularizou esse estilo já existente.
Samuel Gili Gaya gramático, linguista, lexicógrafo, crítico literário e pedagogo espanhol. |
O professor e estudioso espanhol Maximiano Trapero da Universidad de Las Palmas de Gran Canaria na Espanha, afirma no texto do "VI Encuentro-Festival Iberoamericano de la Décima y el Verso Improvisado", de que se conhece poucas décimas produzidas por Vicente Espinel, nem se sabe bem ao certo, quantas eles fez na vida(além das oito estrofes que estão no livro "Diversas Rimas").
Maximiano Trapero, uma grande referência mundial da décima. Na foto, algumas de suas obras. |
Polêmicas a parte, eu na minha ignorância penso que alguém como Vicente Espinel (que não se auto intitulou criador de nada) recebeu elogios rasgados de Miguel de Cervantes e Lope de Vega, dois dos maiores gênios literários da humanidade, não precisa provar nada.
Agora vamos para outra polêmica!
Mais uma??
Mas não se preocupem que é pouca coisa...
Polêmica 02:
"Sobre a origem da palavra Payada":
Existem várias discussões sobre a origem da palavra e isso não é de agora, vem de longe e vai mais longe ainda...
Enquanto os estudiosos não se decidem, deixo aqui quatro versões(há mais) pra cada um escolher a sua:
1ª) Há uma versão e diz que vem da palavra "Paya" da lingua Aimará(Aimarás:povo nativo Chile, Bolivia, Peru, Argentina) e significa: verso improvisado dito por dois payadores acompanhados de um violão ponteado(milonga).
2ª) Outra versão diz que vem da palavra "Paclla" da língua Quíchua (língua nativa falada por diversos paises ao correr das cordilheiras dos Andes) e significa: campesino simples que faz uma apresentação improvisada, rústica, sem muitos conhecimentos.
3ª) Há uma versão defendida pelo grande escritor argentino Ricardo Rojas, que deriva da palavra espanhol "Payo" que significa: campesino do pago, "coisa do pago(campo), coisa terrunha(da terra).
4ª) Há também a versão do escritor e estudioso argentino sr. Saturnino Muniagurria, diz que vem da palavra Guarani "Payé"(pajé) e compara o feito da poesia semelhante ao que fazia o pajé da tribo ao realizar suas curas e milagres, como a dizer que o Payador curava os males com suas cantorias, igual ao pajé em suas orações...
Escolham uma para vocês e vamos em frente...
Agora vamos para última polêmica!
Outra?? Mas é virado em polêmica esse assunto?
Isso é normal, acontece até nas melhores famílias.
Polêmica 03:
"Sobre a definição para ser um Pajador"
Então há uma definição para alguém ser chamado de Pajador(Payador)? Existem regras?
Sim! Apesar de que toda Arte é livre e não pode ser aprisionada, existem certas normas necessárias para a preservação da própria Pajada e eu chamo elas de "Acordo de Cavalheiros" entre os países da "Pampa Gaucha"(Argentina, Chile, Uruguai e Sul do Brasil).
Qualquer pessoa pode ser um pajador ou não?
Claro que pode, qualquer um pode, desde que tenha aptidão e muita dedicação. Assim é para qualquer coisa na vida, como por exemplo, ser um atleta olímpico, cientista, astronauta...
Então todo cantor é um pajador??
Não! Essa pergunta é excelente, pois há muita confusão sobre isso.
O cantor canta músicas decoradas, o pajador improvisa no momento.
Para ser considerado um Pajador, é necessário algumas características, vou citar as que eu considero mais importantes:
1º) Pajador é aquele que recita versos de improviso(tem que fazer na hora, não pode ler e nem decorar)
2º) Os versos, habitualmente, são feitos em décima espinela(de dez linhas rimadas em estilo característico e cada linha com sete sílabas poéticas) em alguns confrontos utilizam versos de quarteto(4 linhas) para agilizar o embate.
3º) A apresentação deve ser acompanhada de violão ao som de milonga uruguaia(a milonga para o pajador é como o "berimbau para a Capoeira", ela "engraxa as engrenagens") ou "guitarron chileno"(primo da viola).
Artista Chileno tocando seu Guitarron de 25 cordas
4º) O pajador nasce como uma voz de protesto e ele sabe da sua importância e responsabilidade, tem a liberdade de opinar com dignidade sobre qualquer assunto e sempre deve haver uma relação do tema com as coisas terrunhas(não haveria sentido uma pajada sobre "física quântica" ou "economia financeira" sem estar atrelada à realidade do pago).
5º) Apesar do pajador surgir antigamente como uma figura solitária, quase mística, que andava pela "pampa gaucha", a pajada hoje, é reconhecida como um pajador dialogando, respondendo em versos ao outro. No mínimo são dois(podendo ser mais: três, quatro, cinco...).
6º) A pajada tem algumas modalidades: "Contraponto"(a mais famosa), "Pé forçado"; "Banquillo" e "Canto a duas razões". Cada uma com suas caracteristicas.
Essa "regras" sempre existiram?
Elas são recentes, de algumas décadas.
Em séculos passados os "payadores" se apresentavam sozinhos e faziam versos de improviso em todo tipo de tamanho, não tinham normas, regras.
Essa maneira solitária de fazer versos de improviso é a mais antiga de todas. Dela que se originaram todas as outras.
" Essa maneira solitária de fazer versos de improviso é a mais antiga de todas. Dela que se originaram todas as outras."
Percorriam a Pampa Gaucha, tal qual faziam os Aedos gregos e os Bardos medievais, recitando seus versos e seguidamente se digladiando em confrontos com os artistas locais por onde passavam. Aparentemente eram livres, mas cada um tinha seu sistema próprio.
Ao mesmo tempo existiam alguns que faziam versos em décima espinela, acredito que pela sonoridade, pela beleza das combinações, aos poucos o gosto popular foi optando mais pela décima. Ao ponto dela ser escolhida pelos próprios artistas como representante da arte.
Pode parecer que as regras aprisionam a arte, mas no fundo elas a preservam.
"Pode parecer que as regras aprisionam a arte, mas no fundo elas a preservam."
Se não existisse esse "acordo de cavalheiros" que citei, provavelmente a Payada estaria desfigurada.
É melhor as normas serem aprovadas por um coletivo entendido do que deixar solta, onde cada um acrescenta ou tira o que bem lhe der na telha.
Meio complicadinho não é? Cheio de coisa?
São variações que foram surgindo com o tempo, isso sempre ocorre com qualquer Arte, não há como impedir.
Todo estilo artístico tem variações e toda variação tem suas normas, isso sempre foi assim e sempre será.
Mas e se eu quiser recitar versos de improviso em outro formato? Eu Posso?
Pode! O artista é livre!
Pode fazer versos de improviso de trinta linhas ou até de mil...
Mas não vai jogar o jogo dos grandes.
"Mas não vai jogar o jogo dos grandes"
Qual jogo, quem são os grandes??
Para exemplificar, cito um "jogo de futebol" que participei na infância, na aula de educação física, juntaram duas turmas e deu um jogo de 20 x 20 foi uma confusão atrás da bola.
"É proibido jogar assim?? "
Não. Não é proibido. Pode jogar até 100x100, as pessoas são livres. Será "um jogo de bola" mas não será futebol. Quem quer jogar com os grandes tem que seguir as regras do jogo.
Os "grandes" que falo são os pajadores daqui e dos países hermanos.
Em todo estilo do verso improvisado tem regras: no "Punto Cubano" tem, no "Repente Nordestino" também, na "Trova Gauchesca" tem e até no "Rap" que vocês gostam, também tem.
Apesar de toda Arte ser livre por essência, ela tem normas.
"Apesar de toda Arte ser livre por essência, ela tem normas."
Até as variações que por rebeldia fugiram das regras, criando novos estilos, ironicamente também tem regras...
O que é então a PAJADA? Pelo amor de Deus nos diga, em uma frase, o que falar caso alguém pergunte na rua?
Muito fácil! Anota aí tudo numa frase só:
"É o verso improvisado na Pampa "Gaucha". Onde dois pajadores opinam sobre as coisas do pago, recitando versos em décimas, ao som de milonga."
"É o verso improvisado na Pampa "Gaucha". Onde dois pajadores opinam sobre as coisas do pago, recitando versos em décimas, ao som de milonga."
Agora, se vocês querem melhor explicado(para os nerds):
Saibam que a pajada não pode ser lida, nem decorada, ela é feita no momento, de maneira improvisada.
Os versos podem ser cantados ou falados. Sim, pois existem pajadores que se apresentam cantando e outros falando.
O pajador deve agir com honradez. É a voz que opina por onde passa, alegra as pessoas e também protesta, porém unindo, sem prostituir seus versos.
A Pajada pode ser de infinitos temas, o pajador tem a liberdade de discorrer sobre qualquer assunto, mas sempre seguindo uma linha mestra relacionada às coisas do pago. Seria algo estranho ver uma pajada com temas diversos sem estar relacionada às coisas terrunhas...
Os versos, comumente, são na estrutura da "décima espinela" ou certas ocasiões em "quartetos" e com acompanhamento de milonga uruguaia no violão.
O Pajador se assemelha a um malabarista de facas, pois está de olho em várias coisas: métrica, rima e o principal: a mensagem.
Pajador se assemelha com um malabarista de facas... |
E outra coisa, a mais importante: Os versos são entre dois ou mais pajadores, onde um contrapõem o outro.
Entenderam?
Mais ou menos...
Mas também, como vão prestar a atenção? Eu falando e tem gente olhando o celular?
Capaz, era só uma mensagenzinha aqui...Tô bem atento.
Sei...
Bom, agora prestem atenção nessa anunciada "morte", que tá prestes a acontecer:
"A Morte da Pajada no Rio Grande do Sul"
A Pajada é uma das Artes mais difíceis que existem, não há dúvidas disso. Hoje encontrar um pajador pelas ruas do estado é um feito raro, é um ser quase em extinção. Se vocês encontrarem algum deles pela rua, segurem e tirem fotos, pois os poucos pajadores que existem, permanecem de teimosos, uma teimosia que é fruto do amor deles pela arte.
"Os poucos pajadores que existem, permanecem de teimosos, uma teimosia que é fruto do amor deles pela arte."
Há um contrassenso nisso tudo: o Rio Grande se reconhece na poesia de improviso(vide a arte da Trova) mas não dá importância aos eventos, aos festivais.
Acredito que o motivo de serem escassos os pajadores no Rio grande do Sul não é pela dificuldade na arte em si, mas sim pela inexistência de incentivo nela.
"Acredito que o motivo de serem escassos os pajadores no Rio grande do Sul não é pela dificuldade na arte em si, mas sim pela inexistência de incentivo nela. "
Talvez seja pelo fato da Pajada(como a Trova) não ser de berço nobre, "acadêmico" e sim uma manifestação popular, não sei...Só sei que isso não acontece nos outros paises "hermanos". Lá os eventos são mais numerosos e atraentes que aqui. Tanto pelo público que gosta, como pela valorização aos artistas. O fato da "Payada" ter mais força nesses países está diretamente relacionada ao apoio que eles sempre deram à cultura. Lá eles aprenderam a amar porque tiveram acesso a arte. Deram palco, com condições dignas, aos artistas.
Na história cultural do nosso estado, são raríssimos os festivais, podem pesquisar pra vocês verem que não estou mentindo e quando ocorrem eventos, a premiação para a Pajada é irrisória, risível.
Como manter uma arte assim?? Como um artista vai se deslocar pelo estado, sem ao menos ajuda para o translado?
Disso nasce o desânimo dos artistas saírem de seus redutos e repartirem experiências; é a troca de experiência que fomenta e aperfeiçoa a Arte, não existindo isso, ela permanece em círculos cada vez mais restritos, até definhar totalmente e morrer.
"É a troca de experiência que fomenta e aperfeiçoa a Arte, não existindo isso, ela permanece em círculos cada vez mais restritos, até definhar totalmente e morrer."
"Homenagear os pajadores é exaltar sua Arte! Valorizá-la!"
Como se faz isso??
Muito simples, anotem aí três dicas de fácil aplicação:
1º) Incentivando eventos: festivais e mostras com premiações decentes;
2º) Fazer seminários(trazer luz ao tema pouco conhecido);
3º) Criar um memorial estadual registrando a Pajada e seus representantes do Rio Grande, preservando a história fidedigna desses artistas.
Quanto mais o tema for valorizado, maior será o ingresso de novos Pajadores.
Caso contrário A Morte da Pajada no Rio Grande será questão de pouco tempo...
"A Morte da Pajada no Rio Grande será questão de pouco tempo..."
Deixo aqui meus parabéns a todos teimosos "pajadores e payadores da pampa gaucha" por manterem viva essa tradição de séculos da poesia improvisada no nosso continente!
Nos diga, há diferenças entre PAJADOR, POETA e DECLAMADOR:
Boa pergunta. Há sim!
Pajador em essência é aquele que recita versos rimados no improviso(vide acima as outras explicações que definem um pajador). Os versos podem ser cantados ou falados normalmente, depende de cada artista.
Poeta é aquele que escreve a poesia, faz, desfaz e refaz. Com todo tempo do mundo. Pode escrever em décimas ou em qualquer outro formato, podendo ser rimada ou não.
Declamador é aquele que sobe ao palco e declama uma poesia já decorada. Pode ser sua(daí é um poeta e declamador) ou de outra pessoa.
Existem livros de Pajada? Disco de Pajada?
Pra mim, essa é a dúvida, que mais dá confusão na cabeça das pessoas.
Nunca esqueçam uma coisa: A pajada é feita na hora e de improviso. Se não for feita na hora(no improviso) é outra coisa. É outra Arte.
A pajada pode ser gravada ao vivo tranquilamente e ser reproduzida em áudio e vídeo, há muitas apresentações no Youtube. Nunca viram?
O livro pode ser a mesma coisa, alguém transcrever fielmente uma pajada "que foi feita ao vivo" e reproduzir no livro como um registro do ocorrido.
O que a maioria das pessoas confundem é chamar de Pajada um poema escrito em décima, quando é publicado ou declamado. No poema, o artista tem todo o tempo do mundo para escrever, apagar e reescrever sua obra, na pajada não, ela é feita no calor do momento.
Eu não posso subir num palco e declamar uma poesia gravada na memória e dizer que é uma Pajada. E nem pegar um papel no bolso e dizer: "Agora vou declamar para vocês, uma pajada que fiz." Isso não é pajada. É outra arte, também linda, que é a da declamação.
Repito para que vocês não esqueçam:" A pajada é feita na hora e de improviso"
Há outra coisa que vocês precisam saber, meus amigos: a maioria das pajadas de antigamente se perderam no tempo, pois só eram gravadas na memória dos presentes.
Hoje é fácil registrar os versos feitos de improviso, devido a facilidade dos aparatos modernos para gravar som e imagem.
Vocês já se deram em conta disso??
É possível transmitir uma pajada ao vivo, para todo o planeta, em tempo real.
Antigamente não era fácil, por isso se perderam no tempo...
Se pajador é um contra o outro, por que o Jayme Caetano Braun se apresentava sozinho?
Essa pergunta vale ouro! Agradeço do fundo coração e respondo pra vocês assim:
Mas ia se apresentar com quem?? Se durante décadas era só ele no estado?
Mas ia se apresentar com quem?? Se durante décadas era só ele no estado?
Bom, então ele criou um estilo? tipo:" O Estilo Jayme Caetano Braun"?
Não, pois essa apresentação individual é a mais antiga de todas: é a mãe de todas.
Aqui no estado há registros do uso da décima. Artistas de antigamente que fizeram versos de improviso ou poemas escritos em décimas. Mas são raros... Dá pra se dizer que existia um esboço de trilha, mas não uma estrada, no estado.
Jayme abriu a picada na mão, sem facão, sem pretensão de criar um estilo, mas ao meu ver, com suas qualidades e características próprias, ele acabou sendo o próprio caminho.
"Jayme abriu a picada na mão, sem facão, sem pretensão de criar um estilo, mas ao meu ver, com suas qualidades e características próprias, ele acabou sendo o próprio caminho."
Por muitos anos foi o pregador solitário do deserto, a "única ave dos céus da pajada" no Rio Grande do Sul.
Ele se apresentava sozinho não por escolha, mas sim pela ausência de colegas nessa difícil arte.
Precisamente por esse motivo, de não ter um parceiro para fazer contraponto, foi manifestando uma linha de improviso mais lenta, sem confronto, mais filosófica e contemplativa.
Desenvolveu, de forma natural, uma maneira mais elaborada de passar sua mensagem.
"Desenvolveu, de forma natural, uma maneira mais elaborada de passar sua mensagem."
Mesmo após o surgimento de colegas pajadores no estado, Jayme, por vontade sua, permaneceu se apresentando sozinho, até o fim da vida e sinceramente compreendo ele.
A pajada de contraponto é uma obra compartilhada, há que se respeitar o tempo, o espaço e o horizonte do outro e inevitavelmente ela leva ao confronto, onde há a necessidade, mesmo que inconsciente, de um superar o outro.
Não que o Jayme não gostasse do embate, muito pelo contrário, ele nasceu para o confronto, cresceu nesse ambiente, desde criança vivia de confronto nas tertúlias dos galpões da família Ramos(eu sei disso, toda a família era assim) e depois em apresentações em palcos improvisados pelos rincões.
Jayme poderia ter seguido fazendo apresentações de contraponto com os "payadores" dos outros paises, como já havia feito, mas não o fez porque simplesmente não quis. Não era o que ele buscava...
Não tenho dúvidas de que se ele realmente continuasse no caminho do contraponto, seria a maior referência da Payada também nos países hermanos, assim como é para nós.
Mas por sua própria escolha decidiu permanecer se apresentando individualmente. E repito, eu o compreendo muito bem e no lugar dele faria o mesmo. Uma obra solitária o artista faz ao seu tempo, conduz sua mensagem, leva ela para o lugar que deseja.
"Uma obra solitária o artista faz ao seu tempo, conduz sua mensagem, leva ela para o lugar que deseja."
Toda a arte é bela e necessária, o contraponto, assim como a apresentação individual são manifestações lindas da mesma arte, porém levam para caminhos totalmente diferentes.
O caminho que o Jayme almejava era além do horizonte. É lá que ele se encontra, servindo de referência...
"O caminho que o Jayme almejava era além do horizonte. É lá que ele se encontra, servindo de referência..."
Ao trilhar essa estrada, mesmo sem saber, Jayme Caetano Braun, passou a ser a luz que ilumina a todos nós. Servindo de guia para os que estão iniciando, tropeçando no escuro e como farol orientador para os que se perderam e vem em busca da estrada perdida.
E ele fez pajadas de contraponto? Com quem?
Sim, espetaculares! Não conhecem?? Tem algumas dessas pajadas na internet.
Jayme fez apresentações de contraponto memoráveis: duas com o mestre uruguayo Sandálio Santos, duas com o grande Argentino Luna e duas com o também argentino Manuel Rosas (El Brujo). Se apresentou com maestria em todos os duetos(fazendo pajadas também em espanhol). E também fez uma apresentação com Gildo de Freitas(o maior mestre da trova gaúcha) na Fazenda Santa Terezinha das Rosas, de propriedade da Família Ramos, na Timbaúva-Bossoroca em 1974. Gildo fazia os versos em estilo de trova tradicional e o Jayme respondia em décimas. Algo inédito e assistido por poucos sortudos...
Jayme fez várias apresentações com outros artistas, em eventos, palcos por onde se apresentava. Na campanha politica de Getúlio Vargas em 1950, Jayme se apresentava nas localidades em dupla com o trovador "Garoto de Ouro"; na campanha politica a deputado federal do primo dele Ruy Ramos, seguido acontecia de ter embates com artistas pelos locais do estado por onde passavam. Isso foi na década de 50, os versos dele não eram em décimas ainda, mas as peleias eram sempre de saltar faísca.
Seus versos, no princípio, eram em vários formatos, porém a partir do contato que teve com o poeta uruguaio Sandálio Santos em 1958, se especializou em décimas espinelas. Ele não teve dificuldade em dominar a difícil estrutura da décima, na verdade ele nasceu para ela...
"Ele não teve dificuldade em dominar a difícil estrutura da décima, na verdade ele nasceu para ela..."
O Jayme era diferenciado ou as pessoas exageram?
Exagero? A obra dele fala por si só. Ele foi grande não por ser pioneiro, mas por ter um raro conjunto de qualidades que o transformaram, mesmo em vida, em um símbolo do Rio Grande.
Anotem aí:
1º) Era um artista completo:
a) Escrevia poesias;
b) Declamava excelentemente(até declamou de outros, como o caso da poesia "Tubiano Capincho" de Aureliano de Figueiredo Pinto, no disco "Payador Pampa e Guitarra");
c) Improvisava em contraponto(um contra o outro) e principalmente sozinho(o que ele mais gostava).
2º) Tinha domínio natural do palco(se "agigantava" quando estava no palco),
3º) O fato de se apresentar sem instrumentos, centralizava a sua figura(dando-lhe destaque),
4º)Tinha um raciocínio rápido(fruto dos embates desde criança com os versos improvisados),
5º) Lia muito e sobre tudo(o que lhe deu uma vasta bagagem cultural)
6º) E o importante: tinha a experiência da vida campeira, a sua mensagem era verdadeira(as coisas do campo não lhe eram estranhas em nada).
7º) Jayme era obcecado, fanático por fazer versos, sua dedicação veio desde criança, ao presenciar os parentes da família Ramos fazendo versos a torto e direito, a toda hora. Essa dedicação, pode se dizer religiosa, permaneceu com ele a vida toda.
Resumindo meus amigos: dificilmente nascerá outro parecido, com todas essas qualidades em um só ser.
"dificilmente nascerá outro parecido, com todas essas qualidades em um só ser."
É verdade que foi criada uma nova modalidade no Festival de Pajada em São Luiz Gonzaga? Como ela é?
Sim. E foi denominada de:
" Versos em Improviso estilo Jayme Caetano Braun"
no Festival de Trovas e Pajadas do Município SLG.
Nova modalidade no festival de Pajadas em São Luiz Gonzaga: "Versos em improviso estilo Jayme Caetano Braun" |
Sugerimos aos Conselho de Cultura e Conselho de Turismo de São Luiz Gonzaga, sendo aprovado em reuniões e posteriormente comunicado ao Poder Público Municipal, via Secretaria Cultura e Turismo, a criação desta nova modalidade que consiste em:
-Apresentação individual na declamação dos versos de improviso(em décimas), ao som de milonga, violão.
-Tema será sorteado no momento.
-A apresentação será melhor avaliada(sem ser obrigatório) se conter uma linha temática mais histórica, filosófica e contemplativa.
-Não existirá primeiro lugar e sim os jurados selecionarão três trabalhos que melhor representem essa difícil linha temática. Esses três trabalhos receberão troféus, todos os participantes receberão certificados e premiações.
Bom, amigos, aqui termina nossa conversa, espero ter ajudado um pouco sobre a Pajada.
Caso queiram se aprofundar no tema, indico o livro "Pajador do Brasil" escrito pelo poeta e pajador Paulo de Freitas Mendonça, um grande divulgador da arte.
Livro Pajador do Brasil(bilingue) Paulo de Freitas Mendonça |
Até o momento, quantas esculturas já fizeram em homenagem ao Jayme Caetano Braun?
Três! Feitas por mim(Vinícius Ribeiro escultor).
Na verdade são quatro se contar a maquete para o pórtico de 2002.
Que pórtico??
Não sabem da história?
Depois eu conto. Venham aqui outro dia, que falarei dessa novela...
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